segunda-feira, 4 de maio de 2009

Lá...

Aqui, mais uma vez, choro. As lágrimas saem como uma antirreação; é a ação de quem não pode ou não consegue agir.

Sinto-me impotente diante da dúvida no banco, da dificuldade de obter um emprego... isso, resultado de movimentos do capitalismo, está fora do meu reduzidíssimo, humílimo alcance. A pressão que minha família faz sobre mim soma-se à aguda pressão que eu mesma faço sobre mim... soma-se às minhas frustrações, às minhas vergonhas, aos meus arrependimentos, às minhas culpas, às minhas ansiedades, aos meus desesperos...

Diante de tudo isso, diante de meu cotidiano aridamente vazio, abandonado e despovoado, sinto que pouca coisa prende-me à vida; se, quando menina, eu dava à luz a poemas, só faço gerar tristeza ou vãs alegrias hoje. Meu ventre está seco. Estou seca.

Sinto-me cansada. Dolorido em muitos lugares e de muitas formas, meu corpo só quer dormir.

Muitas coisas boas aconteceram nos últimos dias, mas o que há de ruim é capaz de eclipsá-las.

Tudo o que me resta é a língua húngara, por meio da qual eu de alguma forma acesso meus ancestrais mais distantes que, da copa das árvores do mundo, esperam por mim!...

sábado, 11 de abril de 2009

Coisas ruins têm acontecido nos últimos dias. Vou ordenar minha abordagem delas cronologicamente.

Cerca de duas semanas atrás, encontrei-me pela segunda vez com o professor para o qual eu pedira orientação. O primeiro contato já não tinha sido bom; aquele, porém, destruiu-me por completo. Resumidamente, ele disse que eu não conheço a Sociologia Clássica, que conheço en passant a Sociologia Contemporânea... que meu "discurso" é perpassado por "erosões teóricas"... que ele fica muito triste ao ver alunos como eu, perdidos, diante dos quais muitas luzes piscam, mas nenhuma se transforma em uma paixão...
Saí da sala dele e fui para o Restaurante Universitário (RU), onde chorei junto das meninas. Senti a firme possibilidade de eu ter algum valor acadêmico ser sublimada pelas palavras ferventes que derramaram sobre si.
Contei este episódio a algumas pessoas que fazem o mesmo curso que eu e que me conhecem melhor, e todas acharam um absurdo o que o professor disse - mesmo porque, disseram, ele nunca me deu aula. De qualquer forma, não estou completamente recuperada disso.

Tive dúvidas a respeito de minha condição de disfórica... agora, porém, creio que minhas dúvidas diziam respeito ao que efetivamente eu tenho a ganhar com a trasição e a CRS, ou se compensa enfrentar tudo o que há pela frente. Tentei viver alguns dias como se não tivesse mais estes teloi, mas voltar a me entender como gay é simplesmente insuportável... é como se isso significasse uma prisão. Provavelmente isso tem relação com a estagnação de minha readequação. Falarei mais sobre isso posteriormente.

Os dois últimos episódios ruins aconteceram hoje.

O primeiro evento envolveu uma das meninas que moram comigo, uma amiga dela e uma amiga desta. Para fins narrativos, chamarei-as respectivamente de Poliana, Sara e Ksenia.
Ontem, elas e eu dormimos aqui em casa, pois fomos todas a um bar e chegamos tarde. Depois que acordamos, ficou combinado que passaríamos o dia na casa de uma tia de Sara.
Apesar de Sara julgar-se minha "amiga", eu nunca tinha ido à casa dela. É a única do grupo que nasceu e tem família em Londrina. Ela freqüentemente chama Poliana para uma visita ou a convida para programas com sua família (e Poliana mora comigo)... recebe até meninas - e meninos - com quem têm muito menos contato do que comigo, mas nunca me chamara. Sua casa não parece muito boa por fora, mas é ótima por dentro. Alguns detalhes lembraram-me da minha de minha tia rica... almoçamos lá e então seguimos para a casa de sua tia.
A casa da tia era muito mais bonita, por dentro e por fora. Lembro-me de Sara falar que sua tia, que pensa em vendê-la, dizer que se estimava seu valor em quinhentos mil reais. Bem... tudo foi muito bom até sentarmos Sara, Poliana, Ksenia e eu para conversar. (Detalhe: Sara conhece Ksenia tem menos de seis meses e esta, que mora em Curitiba, está hospedada na casa daquela! A amizade entre as duas começou por meio de uma menina que Ksenia namorava, mas que não está mais na roda. Ksenia e Sara, que teoricamente é completamente heterossexual, estão tão próximas e isso se deu tão rapidamente que cogito a possibilidade de terem algum tipo de affair.)
Ciente de que um dos motivos pelos quais a tia de Sara quer vender sua casa é a falta de uma empregada, e como eu preciso de dinheiro, contei a Sara que eu gostaria de ajudar sua tia com a limpeza. Poliana e Ksenia estavam presentes e ouviram. Brevemente o assunto mudou e começamos a mencionar coisas que nos interessam. Em algum momento eu falei que eu gosto de pessoas que têm patrônimos, nomes de família, especialmente se estes são germânicos ou eslavos. Nenhuma das meninas sabiam o que era um patrônimo, fato do qual eu fiz uma piada. Transcreverei da forma mais fiel possível o que houve.

- Hã? Como assim, vocês não sabem o que é um patrônimo? Sara, precisamos escolher melhor nossas amigas!
- Eu também não sei, respondeu Sara.
- Você vai ser a empregadinha mesmo! De que adianta saber o que isso quer dizer?

A última frase veio de Ksenia. Ela tem um emprego bom, um salário bastante alto, apesar de isso não poder redimir sua superficialidade, sua idiotice.
Aquilo entrou em mim como um tiro à queima-roupa, que só se sente depois de alguns segundos... como um elemento desarmonizante em um dia bom, uma perversão de uma fonte de alegria, como o estupro... eu não soube o que dizer. Não esperava ouvir nada daquele jeito hoje.
Quando Ksenia e Sara afastaram-se, aproximei-me de Poliana... ela é a única das três com quem eu pensava ter uma relação próxima do que eu acredito ser uma amizade. Somos parecidas social- e psiquicamente. Admirávamo-nos reciprocamente. Recentemente Poliana desentendeu-se com Sara, pois esta fez piadas e associações a respeito do fato daquela - como eu - ser adotada, e Poliana ficou bastante magoada. Como sempre, conversei com ela... como vivencio a mesma realidade, ficou evidente que realmente eu compreendi sua dor. Abracei-a.
Bem... eu disse a Poliana que era muito ruim ter uma doença psiquiátrica, porque sempre se estava muito sensível. Relatei, então, o fato e como o vivenciei.

- Ah, baby, não fique assim... já tomou seu remédio hoje?

Ela riu. Fiz o mesmo. No momento em que Ksenia ofendeu-me, també ríamos. Ríamos e bebíamos, mas nenhuma de nós estava bêbada. Durante todo o dia houve um "clima (social)" de descontração. De qualquer forma, doeu. Não vou esquecer do que houve hoje. Não posso esquecer. Isso significaria aumentar a já enorme dívida que tenho com meu amor próprio.
As meninas foram a uma boate. Falei que estava mal do estômago e fui para a casa, que não fica longe da casa da tia de Sara. Fui a pé. Mesmo se eu tivesse a chance de ir de carro (com a mãe de Sara), eu teria preferido caminhar até em casa.

Meus pais e minha irmã estavam em Campo Grande, onde passariam o Natal na casa de minha tia rica. Eu precisava falar com minha mãe. Liguei lá e meu primo disse que ela já estava em Araçatuba. Estranhei.
Quando consegui ligar em casa, soube que minha mãe não estava; tinha ido à rodoviária com minha irmã, pois esta iria para Birigüi. Conversei com meu pai... contei tudo a ele. Acho que é melhor desenvolver uma relação mais "orgânica" com ele, pois isso o deixa feliz e poderá facilitar em algum grau minha revelação como disfórica.
Ele deu-me conselhos sensatos, razoáveis, o que é raro. Como eu esperava, irritou-se com a possibilidade de eu ser empregada (doméstica) de alguém, serviço que ele não faz (e que acho que nunca fez). Eu entendo o motivo disso, que é simbólico, e partilho dele, mesmo que não goste disso e/ou que não queira isso; é por partilhar disso que me ofendi com o Ksenia disse.
Bem... nossa conversa chegou ao ponto em que ele contou-me que nossa casa foi roubada; é por isso que voltaram de Campo Grande antes do tempo. Levaram um eletrônico (caro) e destruíram duas janelas. Comecei a chorar. Indignei-me. Tive medo. E se minha família estivesse lá? E se roubarem tudo o que temos? E se voltarem a entrar em nossa casa? Minha família é a maior parte das miúdas posses emocionais e concretas que eu tenho... é quase tudo o que eu tenho.

Tudo o que narrei aqui é material para reflexão. O único episódio que me parece menos rico é o primeiro. Aquele professor ensinou-me que a) nunca se sabe tudo, b) trabalhar com disciplinas das quais não se têm profundo conhecimento pode ser uma aventura dolorosa e c) professores universitários costumam aderir a um subjetivismo insuportável, totalitário, de modo que podem não conseguir conviver com a ideo- e psicodiversidade (que, aliás, normalmente defendem). Como minha qualidade acadêmica foi afirmada por pessoas que me conhecem melhor, acho que só o primeiro item foi uma vivência nova. É bom para toda e qualquer pessoa reconhecer - ou ser forçada a encarar - seus limites.

As dúvidas que tive em relação à minha identidade de gênero acrescentaram mais um dado para minha (auto-)análise - e corroboram o (auto)diagnóstico de disforia de gênero. Na verdade, minhas dúvidas eram sobre o mundo exterior a mim... família, trabalho, homens, velhice... não me lembro de algum dia ter questionado o caráter positivo que a readequação e a CRS têm para mim como indivíduo. Eu sei - ou acredito - que um dos erros da Psicanálise é atomizar o indivíduo (posto que ninguém vive sozinho), mas acho que lidar com o mundo é mais fácil quando estamos bem conosco mesmos. Uma das provas disso na minha vida é que viver como mulher, ter um corpo feminino, ainda que um corpo gordo (como o meu está agora, por exemplo), fora dos padrões, é uma idéia, é algo que me traz muito mais paz, muito mais bem-estar, algo que me dá uma "sensação de encaixe" que nunca senti com nenhum corpo masculino. Nem com o meu, nem com nenhum que imaginei para mim, mesmo os fittest. E acredito que aquilo que sinto prova qualquer (auto-)hipótese, pois nem a Psicanálise, nem a Psicologia podem apresentar contraprovas.

Os "sentimentos teóricos" despertados pelos dois últimos blocos de fatos são mais pesados. Eles são de alguma forma mais fortes, dão-me idéias mais radicais.

Ksenia e Poliana fizeram-me reencontrar uma "certeza raivosa": transwomen não são (bio)women. É... bem... esta afirmação não é precisa, uma vez que transwomen podem galgar e permanecer a vida toda em várias chaves de sentido específicas da feminilidade "natural" e psicossocial, isto é, biopsicossocial - da condição de mulher. Em uma dimensão lingüística, pode-se dizer que existe uma estrutura feminina biológica, a womanness (que poderia ser entendida como "feminilidade", que uso aqui como "biotipo de fêmea") e sua correspondente no plano simbólico, que seria a womanlihood, isto é, o conjunto de características, disposições e habilidades psicossociais que se espera, que se deseja ou que se exige de mulheres. Estes dois eixos, conceitos, inserem tanto transwomen como biowomen na categoria de mulheres e funcionam como pontos médios para ambos os grupos, porque é em função deles que estas e aquelas aproximam-se ou se afastam da condição de mulher, que é uma expressão ideal-geral para a articulação da womanness e da womanlihood... de qualquer forma, acho que só as transwomen já livres da disforia de gênero ou em uma das fases finais do processo atinge a condição de mulher. Eu escrevi que transwomen não são (bio)women porque sinto que as biowomen que me cercam não são capazes de me entender bem... parece que elas nunca me verão como igual, que sempre haverá o prefixo trans- para me separar da sociabilidade que vejo entre elas... quando isso acontece, sinto uma necessidade aguda de me aproximar de meninas disfóricas. Bem, eu tenho contato virtual com duas que moram em Londrina. Preciso trazer isso para a realidade (concreta).

Quanto à minha condição econômica e o roubo, rompantes socialistóides - e contraditórios - soerguem-se do fundo do meu coração. Não sou rica - senti raiva de Ksenia; não sou pobre - senti raiva dos pobres (como os garotos dos quais meu pai desconfia) que nos roubaram. Inevitavelmente, porém, uma onda anticapitalista balançou-me... a idéia da triunidade da Gesellschaft, do(s) liberalismo(s) e do capitalismo reaparece em meu horizonte intelectual.

Bem... quero começar a estudar finlandês e xavante. Há material e nativos disponíveis on- e offline.
Avancei bastante no Pokémon: quase acabei a jornada e minha Oddish está a um level de aprender Petal Dance!
Está bem tarde. Vou comer bolacha e dormir.

domingo, 22 de março de 2009

Panorama atual; andamento das mortes simbólicas

Vim relatar as novidades e anotar as últimas emoções com uma espécie de brainstorming impressionista e sociologizante.

Eu saí do emprego na última sexta-feira. Fiz isso porque meu patrão deixou-me sozinha na chapa, passou várias tarefas para toda a noite e houve mais movimento no trailer do que eu pude dar conta. Há também outras razões, mas não quero escrever sobre elas. Recebi hoje os cento e vinte reais relativos aos dias trabalhados. Pretendo, agora, anunciar meus serviços ligados a línguas no jornal até domingo que vem. Se possível, entrarei em contato com algumas personalidades londrinenses ligadas a universos "parabio-heterossexuais" que costumam ajudar pessoas (destes universos) a arranjar emprego.

Hoje eu falei com minha família (pelo telefone) e voltei a comentar sobre a disforia de gênero com minha mãe. "Você quer virar mulher, filho?", repetiu ela. Fiquei sensivelmente triste durante parte da noite. Ela acredita que devo pensar sobre isso durante anos antes de tomar uma decisão. Isso não está errado, mas... será que eu já não pensei? Como será que ela vai reagir quando eu contar, quando ela descobrir e/ou ver que já comecei a readequação?

No meu "MSN oficial", masculino, escrevi que estou "em processo de mortes simbólicas". Hoje eu olhei para um chaveiro em que foi gravado meu nome masculino quando eu tinha cerca de quatro anos de idade... está apagado, gasto. Separei as roupas que tenho de lavar e já selecionei as roupas mais masculinas, que eu não vou mais usar... pensei em vendê-las para algum brechó, ou trocá-las por roupas femininas. Lembrei-me que se faz isso com as roupas de alguém que morreu, por exemplo. Acho que entendo melhor o que a Psicanálise chama de "morte", sobretudo o significado que esta palavra assume no contexto da readequação de gênero, porque eu sei e tenho experimentado o sabor desta morte, isto é, acessei ambos as formas de conhecimento cujas representações vocabulares portuguesas vieram do verbo latino sapere e conjugam-se neste. É por isso que creio que a aquisição de conhecimento é um processo tão racional quanto afetivo; do ponto de vista da Psiquiatria, pode-se dizer que aprender é vivenciar.

Nos últimos dias tenho sentido também uma sexualidade relativamente aflorada. Enquanto eu pensava que era gay, isso era comum, cotidiano; desde que comecei a me entender como disfórica, minha libido tem decrescido abertamente. O problema é que não sei se quero sexo pelo sexo, se quero procurar um homem pelo seu corpo, como no passado. Já não me sinto bem para fazer isso, ou não tão bem quanto antes. Isso é realmente estranho e mostra a profundidade da disforia de gênero em sua dimensão propriamente dita, que é psíquica. Agora o construcionismo social de Simone de Beauvoir não me parece exagerado. E vou mais longe: não há feminilidade(s), mas "mulheridades" nas sociabilidades (setoriais). (Um dia eu escrevo e publico minha tese sobre a importância da idéia de setorialidade para as ciências sociais, que derruba "conceitos" como "sociedade" e "cultura".)

Bem... sinto-me pouco feminina, quase feia, inapta para conhecer um homem. Preciso comprar roupa. Como devo quarenta reais para o banco, não poderei pegar oitenta reais do meu salário para fazer a sessão de epilação. Droga!... será que quero conhecer um homem ou quero só sexo?...

Perdi minha carteira e preciso reencontrá-la. Havia nela cerca de dezoito reais e todos os meus documentos.

Verei meu orientador amanhã. Tenho também de lavar roupa e estudar um pouco de cada língua. Quero começar lituano, estoniano, letão e/ou finlandês.

Isso é tudo.

quinta-feira, 19 de março de 2009

Notas breves

Tenho de ser rápida porque tenho de estar no trabalho em menos de meia hora.

Ontem aconteceu uma coisa muito bacana duas vezes: dois clientes chamaram-me de "moça"! Ah, fiquei tão feliz! O melhor é que a menina que trabalha comigo teve a sensibilidade de só falar comigo de formas genéricas! Precisei abraçá-la depois disso!

Ontem à tarde eu comprei uma base (relativamente cara), pó compacto e um brilho labial. Após remover os pêlos faciais, usei a maquiagem. Ficou ótimo! Isso certamente ajudou os clientes a me identificarem como mulher.

Bem... isso é tudo.

domingo, 15 de março de 2009

Boas notícias

Hoje foi um bom dia: consegui descansar, joguei Pokémon antes de trabalhar, jantei pizza e o expediente foi tranqüilo. O melhor, porém, está relacionado à minha readequação.
Após eu chegar em casa (do trabalho), abri meu Orkut e duas das meninas que mais admiro tinham escrito para mim! Isso foi importante; foi ótimo ser lembrada. Uma delas, inclusive, deu-me várias informações que pedi em um tópico que abri na comunidade.
Resolvi fazer a barba antes de trabalhar, como de praxe. Novamente ardeu e sangrou muito. A pele deve estar um pouco irritada pela fricção diária com a lâmina.
Prendi o cabelo para ir trabalhar. Senti-me bem por isso... é como se fosse um ato de coragem justa... é como um tipo de heroísmo.
A melhor parte do dia, entretanto, foi uma conversa relativamente longa que eu tive com a menina com quem trabalho. Estávamos sem clientes e o patrão havia saído. Acredito firmemente que conquistei a simpatia dela.
Eu não lembro como a conversa começou, mas sei que falei da disforia para ela. O surpreendente é que ela já trabalhou para uma "mulher disfórica" (que é uma expressão tão controversa quanto o arranjo inglês transwoman)! Ela citou e narrou brevemente um pouco da biografia de uma série de personagens abertamente "transfílicas" e relativamente conhecidas em Londrina. Disse, inclusive, que sua sogra trabalha em uma clínica de estética que cobra a ninharia de oitenta reais por sessão de depilação a laser! Fiquei animadíssima!
A menina que trabalha comigo alertou-me para eu não deixar de lado o sonho de viver da tradução. Vou continuar a estudar as línguas, línguas de que tanto gosto, e poerei anúncios em algum jornal em algum momento preferencialmente não muito distante.
Amanhã eu vou fazer um furo na orelha direita e já comprarei duas argolas pequenas. Quero comprar também um tubo de desodorante perfumado, aquele que minha irmã usava e de que gosto tanto. Não posso esquecer de informar meu número de telefone residencial à clínica de Psicologia da UEL e de marcar um horário com o professor que quero que me oriente no TCC.

Vou jogar Pokémon e/ou falar com minha amiga estoniana.

Começa a senda...

Hoje foi meu "novo-primeiro" dia no emprego que me foi dado. O adjetivo "novo-primeiro" deve-se ao fato de eu já ter trabalhado lá durante alguns dias meses atrás.
O trabalho é em um trailer e minha principal função é fazer lanches. Ficar na chapa. É isso.
É evidente que isso está bem longe daquilo que em que eu gostaria de trabalhar (para sempre...?...), que é como tradutora (freelancer, de preferência).Todavia, o importante agora é ter dinheiro para empregar na readequação. Isso é possível em um grau significativo porque sou sustentada, o que deixa todo o dinheiro que ganho exclusivamente para mim.
A faculdade ficará defasada em alguma medida. Apesar de eu só ter aula às quartas-, quintas- e sextas-feiras, isso é quase uma certeza; serei liberada mais cedo, mas dormirei menos que as míticas oito horas necessárias à saúde. Nem fator TCC não é uma grande preocupação, uma vez que me sinto relativamente adiantada quanto a isso.

Bem... tive alguns vislumbres sociológicos a respeito da disforia de gênero enquanto refletia sobre relatos do processo de castração química como conseqüência da hormonoterapia feito pelas meninas da comunidade.
Não sei... eu gostaria de ter um filho com algum grau de ligação biológica comigo. Como, porém, sou turanista (e turaniana), sei que há como eu adotar uma criança com a característica referida. O núcleo sociologizável da questão, porém, jaz em outro problema: o individualismo constitutivo da disforia de gênero e, por conseguinte, da trajetória que compreende desde a fase mais incipiente da readequação até a cirurgia de redesignação de sexo.
Isso seria um objeto para a Sociologia da Cultura. A disforia de gênero é, em si, uma categoria de uma das taxonomias ocidentais mais particulares, que é a Psiquiatria. Uma "sociografia" do individualismo já foi operada por Weber (em A ética protestante e o espírito do capitalismo). De acordo com abordagens estrutural-fenomenológicas da cultura (como a de Giddens), pode-se dizer que a Psiquiatria foi chamada à existência pelo individualismo, que lhe antecede; a primeira agrava, redimensiona, atualiza o segundo. É nesse contexto que surgem a disforia de gênero e seus desdobramentos.
O disfórico, na maioria das vezes, rompe com uma série de sociabilidades e indivíduos nos processos por que passa. Isso normalmente inclui a família, por exemplo. A castração química abre outro problema: a impossibilidade de gerar descendentes "juri sanguinis". Isso quer dizer que a disforia é altamente individualista e individualizante, uma vez que fecha as duas possibilidades mais tradicionais e primárias de vinculação à sociedade, ambas ligadas à família: a ascendência e a descendência (biológicas). Ao disfórico, portanto, um desafio tridimensional é imposto: a reestruturação biopsicossocial. Isso equivale a uma recriação informada de si... ou não. Como uma das principais características da Sociologia é analisar os indivíduos macrocosmicamente, é provável que o cotidiano, o Dasein, seja (bem) menos dramático. Isso também vale para as "mortes" de que fala(m) a(s) Psicanálise(s). A razão pura é um pouco míope, ensinaram os frankfurtianos... e a vida.

Hora de dormir.

sábado, 14 de março de 2009

Observações - e irritações

Eu gostaria muito de narrar os últimos fatos que julgo relevantes na minha vida segundo uma ordem cronológica; isso, porém, não será possível. Comentarei, então, de acordo com uma espécie de "tempo psicológico", isto é, os assuntos que me afetam mais serão os primeiros que abordarei.

Sou membro de uma comunidade no Orkut chamada DISFORIA DE GÊNERO (http://http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?cmm=35888656), na qual ocorrem discussões da maior qualidade e as pessoas ajudam-se mutuamente. O problema é que sempre há alguém que antipatiza conosco ou com quem antipatizamos. Não foi diferente comigo.
Há uma garota lá que sempre comenta o que eu escrevo de forma sensivelmente agressiva. O único motivo que eu consigo rastrear para isso é que, meses atrás, eu vi um vídeo do menino com quem ela parece relacionar-se (uma vez que ele é FtM, e há um tópico na comunidade para que mandemos imagens e vídeos em que apareçamos) e disse que eu achara-o bonito. Não foi mais que isso: uma opinião sincera e inocente. Eu não sabia que ele era namorado dela, por exemplo. Se soubesse, acho que não comentaria... ou comentaria de forma diferente. O que ela disse hoje, entretanto, doeu um pouco em mim.
Relatei na comunidade um episódio que ocorreu ontem. No ônibus que peguei para ir à faculdade, vi uma pessoa que a) pode ser travesti ou b) pode ser uma MtF em uma fase avançada da readequação. Era bonita: cabelos longos e escuros, pele lisa, voz razoavelmente feminina. Pelo que ouvi de sua conversa com uma amiga, parecia ser seu primeiro dia de aula. Achei bacana e, conforme escrevi na comunidade, torci tacitamente para que tudo desse certo para si. No mesmo texto (que eu postei em um tópico que falava sobre a readequação), tentei descrever brevemente minha situação atual; disse que tenho usado roupas andróginas, meu cabelo cresce, que tenho depilado pernas e braços. Confessei também que sinto uma forte vontade de me desfazer de minhas roupas de menino.
Primeiro, acharam que a moça que eu tinha visto no ônibus era uma das meninas da comunidade. Algumas mensagens depois, verificou-se que não era ela. O que eu quero salientar é que, antes de a confusão desfazer-se, a menina que não gosta de mim reproduziu a parte da minha mensagem em que eu disse que podia tratar-se de travesti (com a palavra "travesti" destacada) e aconselhou a outra menina a bater em mim! Quando o episódio do ônibus foi esclarecido, ela disse que a menina que se pensou que poderia ser a do ônibus "n tm cara nem de travesti, nem de androgino tao pouco de menino u.u é mulher mesmo, tanto que causo inveja da ala feminina da sala dela \o/". Isso me machucou e irritou ao mesmo tempo.
Ela usou palavras que eu usei na minha mensagem p'ra falar de mim. Eu acredito que houve vontade explícita de me aborrecer.
Primeiro, ela fez associações pejorativas com a palavra "travesti", isto é, ela discriminou uma forma de sexualidade. Apesar de não sermos travestis, não entendo e não acho adequadas práticas discriminatórias, sobretudo entre nós. Como socióloga eu sei que diferenciações e hierarquizações são inerentes à vida social, mas isso não significa que não nos devamos policiar para minorar este tipo de comportamento. Quanto ao que ela discretamente disse para mim no comentário que ela fez sobre a aparência da outra menina, o que tenho que pensar é que estou bem no início da readequação; comecei a operar mudanças efetivas (e pequenas) há cerca de uma semana, apenas. Se o problema que ela tem comigo deve-se ao comentário que eu fiz há tanto tempo, isso reflete sua infantilidade emocional.
De qualquer forma, o apontamento que ela fez mexeu comigo... mas o que mais mexeu comigo foi a moça que eu vi no ônibus. Senti-me estagnada, atrasada. Senti inveja. Não uma inveja destrutiva, possessiva, mas desejo de ser daquele jeito; ter um cabelo tão longo quanto o dela, usar roupas parecidas... ter o mesmo cheiro... isso me levou a fazer o que fiz hoje.
Eu, as meninas que moram comigo e algumas amigas nossas fomos a uma festa. Não pude mais agüentar: pus um chinelo e uma calça de uma das meninas que moram comigo (e que ela ia jogar fora) e uma camiseta preta, lisa e neutra, que é minha. Prendi o cabelo. Usei um pouco de base sobre o espaço no qual crescem os indesejáveis pêlos faciais. Passei gloss. Gostei muito de fazer estas coisas, e gostei de como eu fiquei. Só queria ter um furo na orelha direita e colocar brincos legais... argolas. Senti uma mistura de reprovação moral e satisfação, embora a segunda tenha sempre sobrepujado a primeira.
É evidente que meu grau de "passabilidade" não era muito acima de zero, mas não sei se isso foi o mais importante para mim. Acho que foi uma conquista fazer o que eu quis e sair como eu quis. Talvez tenha sido um dos primeiros passos... foi um dos primeiros passos.
Amanhã eu trabalho. Tudo o que quero agora é juntar algum dinheiro para fazer umas compras... e isso inclui um dicionário etimológico húngaro, que a) está a bagatela de sessenta reais, b) é monolíngüe, c) tem mais de mil páginas e d) saiu em dois mil e seis! É, definitivamente, um must-buy.

Bem... boa noite!